Casos de Estudio | https://doi.org/10.21041/ra.v12i2.571 |
Degradação do concreto através da formação de ácido sulfúrico biogênico em uma Estação Elevatória de Esgoto
Concrete degradation by the formation of biogenic sulfuric acid in a Sewage Pumping Station Degradación del hormigón mediante la formación de ácido sulfúrico biogénico en una Estación de Bombeo de Aguas Residuales
Gabriella de Andrade Coni1 * , Amanda Tafuri Costa2 , Adriana Gonçalves Costa1 , Guilherme Sakuma1
1 Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo S.A (Sabesp), São Paulo, State of São Paulo, Brasil.
2 Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.
*Contact author: conigabriella@gmail.com
Recepção:
06
de
dezembro
de
2021.
Aceitação:
04
de
março
de
2022.
Publicação: 01 de maio de 2022.
Citar como:Coni, G.,Tafuri, A.,Costa,A., Sakuma,G. (2022), "Degradação do concreto através da formação de ácido sulfúrico biogênico em uma Estação Elevatória de Esgoto",Revista ALCONPAT, 12(2022), pp. 279–295, DOI: https://doi.org/10.21041/ra.v12i2.571 |
Resumo
Este trabalho apresenta o estudo realizado em uma Estação Elevatória de Esgoto após ser constatado severa degradação. O ataque por ácido sulfúrico biogênico em sistemas de esgoto sanitário é amplamente estudado na literatura, entretanto, dados em situações reais de obra ainda são bastante limitados. Foram realizadas análises da concentração de H 2 S no ar, profundidade de carbontação, ensaio de resistência à compressão, petrografia, MEV/EDS, DRX e determinações químicas em testemunhos de concreto extraídos acima do nível do efluente. Os produtos identificados na superfície foram Gipsita, Jarosita, Hidróxido Ferroso, Cloreto Ferroso e possivelmente Hisingerita. Os resultados demonstram a presença na superfície tanto de produtos oriundos da dissolução da pasta cimentícia quanto das barras de aço de 16 mm localizadas na região atacada.
Palabras clave:
ataque por ácido sulfúrico biogénico,
degradação,
concreto armado
1. IntroduÇÃo
O ambiente de esgoto sanitário tem um microclima que propicia a formação de ácido sulfúrico biogênico (H 2 SO 4 ) devido à presença de bactérias do tipo oxidantes e redutoras de sulfatos (Estokova et.al., 2012). Este ácido, produzido pelas bactérias oxidantes, é extremamente agressivo ao concreto uma vez que ataca a pasta cimentícia, descalcificando os produtos de hidratação do cimento, resultando na perda de coesão do concreto (Wu et.al., 2018).
Outro ponto crítico é a redução do pH do concreto a um valor extremamente baixo, podendo alcançar valores em torno de pH 1-2. Consequentemente, ocorre a despassivação das armaduras e inicia-se o processo de oxidação (Estokova et.al., 2012). Dessa forma, o ácido produz uma ação conjunta de degradação tanto do concreto quanto do aço em um curto período de tempo, podendo alcançar taxas de deterioração de 12mm/ano em muitos sistemas de esgoto sanitário (Wu et.al., 2018). No trabalho de Fernandes et.al., (2012) foi apresentado um sistema de esgoto sanitário com 300 km de extensão que sofreu deterioração superficial do concreto em apenas 2 anos após sua construção. Atualmente, estuda-se estratégias para mitigar a degradação das infraestruturas de esgoto, cita-se, por exemplo, a utilização de bio-concretos que reduzem a quantidade de bactéria sulfo-oxidantes (Song et.al., 2021).
O processo de degradação do concreto por ácido sulfúrico biogênico, apesar de ser amplamente discutido na literatura, dados de pesquisas executadas em situações reais de obra ainda são limitados (O’Connell et.al., 2010; WU et.al., 2020). Segundo Wu et.al., (2020), as taxas de corrosão obtidas em estudos de campo e de laboratório de forma geral apresentam grande variação e ainda é difícil estabelecer relações quantitativas para ambas as situações com base no conhecimento existente. Este trabalho busca, portanto, relatar um estudo de caso realizado em uma Estação Elevatória de Esgoto pertencente à Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - SABESP, a qual apresentou severa deterioração com apenas 20 anos de construção e operação. Espera-se que os resultados do presente trabalho forneçam parâmetros que auxiliem na validação de estudos realizados em escala laboratorial e no desenvolvimento de estratégias que visem aumentar a vida útil das infraestruturas de saneamento.
2. FundamentaÇÃo teÓrica
O ataque do ácido sulfúrico biogênico inicia-se com a formação do ácido sulfídrico aquoso (H 2 S) através de bactérias anaeróbicas que causam a dessulfatação, chamadas de Desulfovíbrio desulfuricans, presentes em uma das camadas do lodo do efluente (Wu et.al., 2018). Essas bactérias, sob condições anaeróbicas e com concentração de oxigênio dissolvido (DO) menor do que 0,1mg/L, convertem os compostos de enxofre presentes no efluente em ácido sulfídrico aquoso (H 2 S) (House e Weiss, 2014; Wu et.al., 2018).
Parte do ácido sulfídrico aquoso é liberado na forma gasosa como sulfeto de hidrogênio (H 2 S) sobre a linha do efluente. A passagem do H 2 S (aq) para a fase de gasosa é fortemente influenciada pelo pH do efluente, pelas condições de equilíbrio entre a fase gás/líquido, pela temperatura e turbulência (Wells et.al., 2009; Wu et.al., 2020).
O sulfeto de hidrogênio liberado condensa sobre a superfície do concreto onde é submetido à múltiplos estágios de oxidação por microrganismos oxidantes de enxofre, como as bactérias aeróbicas do grupo Thiobacillus, as quais atuam em diferentes faixas de pH, transformando-o em ácido sulfúrico biogênico (House e Weiss, 2014; Monteny et.al., 2000; Wu et.al., 2018).
A colonização de microrganismos no concreto depende da disponibilidade de nutrientes (matéria orgânica), umidade e da redução do pH. A redução do pH do concreto ocorre pela carbonatação e pela própria acidificação da superfície causada pela liberação do H 2 S (g) (Jiang et.al., 2014). Quando o pH da superfície atinge valores próximos à 9, o meio já apresenta condições suficientes para iniciar a proliferação de bactéria do tipo T. thioparus (Wu et.al., 2018).
A atividade bacteriana é responsável por governar a diminuição gradual do pH da superfície do concreto, alterando simultaneamente as comunidades microbianas atuantes. As bactérias do tipo Thiobacillus novellus, Thiobacillus intermedius e Thiobacillus neapolitanus passam a proliferar até atingir o pH ≈ 3,0, então, há declínio das bactérias até então colonizadas para que haja a rápida proliferação das bactérias do tipo Thiobacillus thiooxidans, cuja presença está associada com corrosão severa do aço (Scrivener e Belie, 2013).
A Portlandita Ca(OH) 2 , principal responsável pela alcalinidade (pH ≈ 13,0) da matriz cimentícia, é o primeiro composto a reagir com o ácido sulfúrico, formando a Gipsita CaSO 4 . 2H 2 O . A Gipsita precipitada pode reagir com fases contendo aluminatos para formar a Etringita ( CaO 3. Al 2 푂 3 .(Ca SO 4 ) 3 . 32H 2 O) (House e Weiss, 2014; Wells et.al., 2009). A formação de Etringita resulta em tensões expansivas que comumente causam a fissuração do concreto e facilita a penetração do ácido, acelerando o processo de degradação da estrutura (Wu et.al., 2018). A partir de pH inferiores à 10,6 a Etringita é instável e passa a se dissolver (Duchesne e Bertron, 2013). Dessa maneira, a Etringita é um produto intermediário do ataque ácido, sendo a Gipsita o produto final da reação (Davis et.al., 1998). À medida que a reserva de íons de cálcio fornecido a priori pela Portlandita se esgota, as reações seguintes se concentram na descalcificação do silicato de cálcio hidratado (C-S-H), principal composto responsável pela resistência mecânica do concreto. O produto desta reação é a sílica gel, material sem capacidade portante (Monteny et.al., 2000). Em síntese, a degradação da matriz cimentícia ocorre na região não submersa, a partir da superfície, avançando gradativamente para o interior da estrutura.
3. Metodologia
Este trabalho apresenta o estudo realizado da degradação do concreto no poço úmido de uma Estação Elevatória de Esgoto pertencente a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) posta em operação em dezembro de 1999. Foram realizadas inspeções internas da estrutura com obtenção de registro fotográfico e extração de amostras de concreto da parede do poço úmido da Elevatória para análise.
Figura 1. (a) Vista interna do poço úmido (b) Degradação do concreto e do aço |
A estrutura possui dois poços circulares concêntricos, seco e úmido, com diâmetro de 25,60 m e 13,70 m, respectivamente. O primeiro foi executado em concreto armado, com cobertura metálica, e o segundo em concreto protendido. O poço seco é onde estão localizados seis conjuntos de motobombas e o poço úmido, objeto deste trabalho, com 18,70 m de altura, é a parte da estrutura que recebe e destina o esgoto para a estação de tratamento.
A inspeção da estrutura foi realizada no poço úmido (Figura 1a) e restrita à área de gases (acima do nível do efluente). Nessa região, a superfície do concreto apresentava condição atípica com camadas de até 15 cm de espessura com perda de consistência, sendo de fácil remoção com o uso de espátula (Figura 2a). A espessura determinada em projeto da parede é de 35 cm. A armadura passiva de 16 mm estava oxidada (Figura 2b), com perda de seção e trechos seccionados e/ou completamente dissolvidos.
Figura 2. (a) Facilidade de remoção da camada de concreto degradada utilizando uma espátula e (b) trecho de dissolução das armaduras |
Os seguintes ensaios foram realizados no presente estudo:
3.1 Concentração de gases
Foram realizadas medições diárias das concentrações de gás sulfídrico ( H 2 S), na área de gases, da estação elevatória, durante o período 07/02/2020 a 30/11/2020, utilizando o myDataSens H 2 S da Microtronics, com capacidade de medição de 0-1000 ppm. O medidor coleta e armazena os dados, automaticamente, a cada 5 minutos
3.2 Análise da frente de carbonatação
O ensaio qualitativo para determinação da frente de carbonatação do concreto foi realizado utilizando uma solução composta de fenolftaleína, indicador incolor ácido/básico o qual sofre alteração de cor para roxo em pH acima de 9 (alcalino), denotando a presença de 퐂퐚(퐎퐇) ퟐ .
3.3 Resistência à compressão
O ensaio de resistência à compressão foi realizado em quatro (04) testemunhos cilíndricos de concreto extraídos, conforme ABNT NBR 7680-1/15, da parede com diâmetro nominal de 75 mm. O ensaio de compressão de corpos-de-prova cilíndricos foi executado de acordo com a ABNT NBR 5739/18.
3.4 Ensaio Petrográfico
A análise petrográfica foi baseada na norma ASTM C 856/2017 - “Standard Practice for Petrographic Examination of Hardened Concrete”. Dois dos testemunhos extraídos foram utilizados para confecção das lâminas delgadas com dimensões de 2,5 cm x 4,0 cm com o intuito de caracterizar a interface entre a região aparentemente sã e a região atacada. Foi utilizado o microscópio modelo DM4500 P acoplado a câmera digital DFC7000 T, ambos da marca Leica, e lupa binocular estereoscópica modelo M-8, marca Wild. A edição de imagens foi realizada no software LAS X. A técnica fotográfica por meio de fotomicrografia foi empregada no ensaio para obtenção de imagens ampliadas da microestrutura do material.
3.5 Microscopia eletrônica de varredura, difração de raios X e determinações químicas
Em um mesmo testemunho foram realizadas análises em três camadas distintas: uma mais externa, obtida através de raspagem do concreto sem consistência, uma intermediária e outra mais interna, aparentemente sã. Para microscopia eletrônica de varredura a amostra raspada foi seca em dessecador vedado, à temperatura ambiente, por 4 dias. Os fragmentos secos foram cuidadosamente montados no porta amostra de alumínio, com auxílio de fita de carbono e fita de alumínio. As amostras intermediária e mais interna foram rompidas com o auxílio de um martelo, em cada extremidade do testemunho de concreto. Os fragmentos foram coletados, criteriosamente selecionados e prontamente montados em porta amostra de alumínio, com auxílio de fita de carbono e fita de alumínio e recobertos com fina camada de ouro-paládio.
Para as análises de difratometria de raios X uma alíquota da amostra raspada foi seca a (45±5) ºC por 7 dias ao passo que os fragmentos das amostras intermediária e mais interna foram britados em almofariz para obtenção da argamassa, em seguida, foram moídos em almofariz de porcelana até passarem totalmente em peneira ABNT No 200 (75 μm). Foi utilizado o equipamento de difração de raios X da marca Panalytical modelo EMPYREAN, operando na radiação Kα do cobre com 45 kV - 40 mA e varredura de 2° 2θ/min. A identificação dos compostos foi executada por meio do software X-pert HighScore Plus (versão 4.9) da Panalytical e padrões difratométricos fornecidos pelo ICDD (International Center for Diffraction Data) com atualização até 2017.
A determinações químicas foram realizadas apenas no material raspado, sendo elas:
Determinação de resíduo insolúvel em água em ácido, com base nas diretrizes gerais da ASTM C114-18 "Standard Test Methods for Chemical Analysis of Hydraulic Cement" e ABNT NBR 13810:1997 "Água - Determinação de metais - Método de espectrometria de absorção atômica por chama". Determinação de sódio (Na), potássio (K), ferro (Fe), magnésio (Mg) e cálcio (Ca), solúveis em água e ácido, com base nas diretrizes gerais da ASTM C114-18 "Standard Test Methods for Chemical Analysis of Hydraulic Cement" e ABNT NBR 13810:1997 "Água - Determinação de metais - Método de espectrometria de absorção atômica por chama". Determinação íons cloreto e íons sulfatos solúveis, conforme diretrizes gerais da NBR 9917:2009 "Agregados para concreto - Determinação de sais, cloretos e sulfatos solúveis".
4. Resultados e discussÕes
4.1 Concentração de gases
A concentração de sulfeto de hidrogênio presente no ar tende a aumentar com o aumento da temperatura, conforme observado na Figura 3. O aumento da temperatura reduz a solubilidade do H 2 S (aq) nas águas residuais e favorece a liberação na forma gasosa com sulfeto de hidrogênio (Wu et.al., 2018). Entretanto, a temperatura não é o único fator de influência na concentração, pois a liberação de H 2 S(g) dentro da elevatória é influenciada também pela turbulência que está diretamente relacionada com a quantidade de bombas em operação no momento da medição.
Figura 3. Concentração de H2S e temperatura ao longo dos meses |
4.2 Análise da frente de carbonatação
Após a remoção da camada sem consistência de aproximadamente 8 cm na parede do poço úmido, observou-se que o concreto estava carbonatado, pois não apresentou alteração de cor com aplicação da solução de fenolftaleína. Então, executou-se uma perfuração de 5 cm, observando-se que a região mais interna do concreto ainda estava alcalina, conforme ilustrado na Figura 4.
Figura 4:. Parede do poço úmido com o concreto alcalino. |
4.3 Resistência à compressão
Nos resultados dos ensaios de compressão direta, ilustrados na Tabela 1, observou-se que todos os testemunhos extraídos apresentaram resistências superiores ao especificado no projeto (20 MPa). Apesar da condição atípica observada na superfície do concreto, esse resultado já era esperado, pois a parte utilizada no ensaio foi a central da amostra, a qual ainda não aparentava ter sido contaminada pelo ácido sulfúrico biogênico.
Tabela 1. Resultados de resistência à compressão direta | |||||||||||||||||||
nº C. P | Dimensões médias (mm) | fci,ext, inicial (MPa) | k1 | k2 | k3 | k4 | fci,ext (*) (MPa) | ||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Altura (h) | Diâmetro (d) | ||||||||||||||||||
1 | 109,2 | 73,6 | 56,3 | -0,04 | 0,09 | 0,05 | -0,04 | 59,7 | |||||||||||
2 | 111,2 | 73,6 | 55 | -0,04 | 0,09 | 0,05 | -0,04 | 58,3 | |||||||||||
3 | 93,0 | 73,6 | 56 | -0,07 | 0,09 | 0,05 | -0,04 | 57,7 | |||||||||||
4 | 145,3 | 73,6 | 54,1 | 0,00 | 0,09 | 0,05 | -0,04 | 59,5 | |||||||||||
NOTA - (*) Resultados corrigidos da resistência obtida na ruptura dos testemunhos extraídos pelos coeficientes k1, k2, k3 e k4, de acordo com o item 5.2 da ABNT NBR76801:2015. |
4.4 Ensaio Petrográfico
A espessura identificada da região atacada nas lâminas confeccionadas corresponde em 1,6 mm a 4,1 mm para o testemunho 1 e 500 μm a 3,7 mm para o testemunho 2. A Figura 5 apresenta o local de interface entre a região atacada (em cima) e a região aparentemente não atacada (embaixo) para ambos os testemunhos. Notar, em tons azuis, a presença de microfissuras e microporosidade. A região atacada de ambos os testemunhos apresenta três zonas de alterações distintas, sendo elas:
Figura 5. Local de interface entre as regiões testemunhos (a) 1 e (b) 2. Polarização simples com condensador. |
Zona primária (mais externa): caracteriza-se pela intensa substituição da pasta por material cripto a microcristalino de birrefringência baixa, possivelmente gipsita, em textura semelhante a “mortar” (Figura 6). O testemunho 1 exibe, também, a presença pontual de carbonatação.
Figura 6. Primeira camada de alteração, possivelmente gipsita testemunhos (a) 1 e (b) 2. Polarização cruzada, com condensador. |
Zona secundária (intermediária): exibe substituição parcial da pasta, com impregnação de hidróxidos de ferro e possível matéria orgânica (Figura 7). No trabalho Sun (2015), o enriquecimento de Fe, devido à precipitação da ferrugem foi atribuído como uma das causas da presença de microfissuras nas zonas de alteração do concreto.
Figura 7. Impregnação de hidróxidos de ferro (tons avermelhados) testemunhos (a) 1 e (b) 3. Polarização simples com condensador. |
Zona terciária: trata-se de uma zona de carbonatação, descontínua, na interface com o concreto aparentemente não atacado (Figura 8).
Em ambos os testemunhos (Figura 9), as três zonas apresentam abundante microfissuramento, sem preenchimento ou parcialmente preenchido por material cripto a microcristalino de birrefringência baixa, gipsita.
Figura 9. Zonas de microporosidade na pasta associadas a microfissuras em tons azuis testemunhos (a) 1 e (b) 2. Polarização simples, com condensador. |
4.5 Microscopia Eletrônica de Varredura - MEV
A análise da microestrutura revelou consideráveis alterações mineralógicas na superfície atacada (Figura 10). Foram identificados na amostra cristais de fase cristalina sulfoaluminossilicática, contendo Ca, Fe e K. Na figura 10, as setas apontam para os locais de análise por sistema de energia dispersiva (EDS - Figura 11).
Figura 10. MEV material raspado fases cristalinas sulfoaluminossilicáticas, contendo Ca, Fe e K. |
Na micrografia do material raspado não foi identificado a presença de cristais de portlandita, indicando que esta se dissociou completamente. Pode-se perceber que o ácido reduziu a matriz a um material mais poroso, consistindo de partículas menores.
Figura 11. Espectros das microanálises pontuais indicadas na Figura 10 (a) e (b) |
Na amostra intermediária foram analisados dois fragmentos da porção clara e escura. Na porção mais clara, foram identificados cristais de morfologia retangular de sulfato de cálcio hidratado (Foto 12.a), conforme espectro EDS (Figura 13) com fortes sinais de S e Ca, sugerindo a gipsita como componente principal e cristais de etringita (Foto 12.b)
Figura 12. MEV amostra intermediária - fragmentos da porção clara (a) sulfato de cálcio hidratado e (b) cristais de etringita. |
Figura 13. Espectro da microanálise pontual amostra intermediaria da Figura 12.a |
Nos fragmentos analisados da porção mais escura da amostra intermediária foram identificados cristais de aluminossilicato de cálcio com enxofre ou sulfoaluminossilicato de cálcio (Figura 14).
Figura 14. MEV amostra intermediária cristais de aluminossilicato de cálcio com enxofre ou sulfoaluminossilicato de cálcio - fragmentos da porção escura |
Figura 15. Espectros das microanálises pontuais indicadas na Figura 14 a e b. |
Amostra mais interna, aparentemente não atacada, observa-se placas de portlandita com mais de 10μm com acículas de etringita não patológica em trama de C-S-H (Figura 16).
Figura 16. MEV amostra mais interna ampliação de (a) 10µm e (b) 20µm. |
4.6 Difração de raios x -DRX
Figura 17. Difratograma de raios X - material raspado. |
Na amostra raspada (Figura 17) foi identificado a presença em maior concentração de Jarosita e Gipsita. Resultados similares foram encontradas por Tazaki et.al., (1992) em tubulações de concreto serevamente corroídas. De acordo com os autores, sob condições de pH extretamente baixa a atividade bacteriana é capaz de quebrar a Pirita (dissulfeto de ferro, FeS₂) para formar a Jarosita. Normalmente, os principais micro-organismos envolvidos nessas reações identificados são os Thiobacillus ferrooxidans e/ou Thiobacillus thiooxidans. No estudo de Song et.al., (2020), quando a superfície atacada do concreto atingiu a superfície das barras de aço, o processo de corrosão das barras foi acelerado pelo H 2 S, formando sulfeto de ferro, sendo um dos compostos identificados FeS₂. Desse modo, é possível que formação da Jarosita seja oriunda do FeS₂, formado pela oxidação das barras de aço de 16mm localizadas na região atacada. A Gipsita também foi identificada como composto mais abudante na superfície atacada do concreto por autores como Fernandes et.al., (2012), Davis et.al., (1998), Song, et. al., (2018) e Song et. al., (2020).
Figura 18. Difratograma de raios X - amostra intermediária. |
Os resultados obtidos pela DRX confirmam a presença de gipsita no concreto em todas as camadas analisadas. A presença de Gipsita identificada na camada mais interna (Figura 19), aparentemente não atacada, indica também o início da degradação nessa camada. A partir da amostra intermediária já é possível identificar a presença de Etringita, provavelmente devido à um pH mais elevado capaz de garantir a estabilidade da referida fase. A presença de calcita nas amostras intermediária e mais interna pode ser oriunda do produto da reação de carbonatação entre o hidróxido de cálcio e o dióxido de carbono.
Figura 19. Difratograma de raios X - amostra mais interna. |
4.7 Determinações químicas
Os resultados obtidos nas determinações químicas dos materiais, expressos na base original e na base seca estão apresentados na Tabela 2.
Tabela 2. Resultados da determinação química da superfície | |||||||||||||||||||
Determinações | Resultados, em % | ||||||||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Ataque com ácido nítrico (HNO3) | Ataque com água (fração solúvel em água) | Diferença (fração solúvel em ácido) | |||||||||||||||||
Resíduo insolúvel | 65,1 | 56,7 | 8,4 | ||||||||||||||||
Ferro (Fe) | 0,73 | 0,01 | 0,72 | ||||||||||||||||
Sódio (Na) | 0,04 | 0,02 | 0,02 | ||||||||||||||||
Potássio (K) | 0,11 | 0,01 | 0,10 | ||||||||||||||||
Cálcio (Ca) | 0,74 | 0,73 | 0,01 | ||||||||||||||||
Magnésio (MgO) | 0,01 | 0,01 | 0,00 | ||||||||||||||||
Íons silicato (SiO32-) | 0,49 | 0,38 | 0,11 | ||||||||||||||||
Íons sulfato (SO42-) | 0,41 | 0,40 | 0,01 | ||||||||||||||||
Íons cloreto (Cl-) | 0,11 | 0,05 | 0,06 | ||||||||||||||||
NOTA - (*) O montante faltante para 100% é referente a água não determinada. Enfatiza-se que ambos os resultados das determinações se encontram na mesma base de cálculo e, por isso, foi possível determinar a diferença entre eles. |
Os elementos encontrados na fração solúvel em água estão associados ao gel ácido formado de silicatos, sulfatos e cloretos de sódio, potássio, magnésio e cálcio. A amostra analisada apresentou pH 2,8 a 19,8°C. Esta condição favorece a colonização de microrganismos oxidantes de enxofre acidofílicos (ex. Acidithiobacillus Thiooxidans e Acidithiobacillus Ferrooxidans), os quais estão associados a oxidação severa do aço (Wu et.al., 2020), justificando a corrosão/dissolução das barras de aço de 16 mm de diâmetro. O resultado do pH, também, justifica a inexistência da Etringita na camada superficial. Os microrganismos acidófilos, além de oxidar o H 2 S em ácido sulfúrico, são capazes de oxidar o tiossulfato e enxofre elementar que por ventura estejam depositados na superficie do concreto (Wells et.al., 2009).
Quanto aos teores significativos de elementos encontrados na fração solúvel em ataque de ácido nítrico ( HNO 3 ) (insolúvel em água, nas condições de ataque propostos no ensaio supracitado) estão associados a Jarosita [K 2 Fe 6 (OH) 12 (S O 4 ) 4 ] e possível presença de hisingerita [ Fe 3 Si 2 O 5 OH 4 .2 H 2 O], hidróxido ferroso[Fe OH 2 ] e cloreto ferroso [Fe Cl 2 ].
Segundo Alexander e Fourie (2011), hidróxido de alumínio[Al OH 3 ] e hidróxido de ferro [Fe OH 3 ] podem precipitar na camada após a dissolução das fases aluminatos e/ou ferro-aluminatos dependendo da concentração do íon hidrogênio na solução - precipita hidróxido de ferro a um pH maior que 1,0 e hidróxido de alumínio precipita a um pH superior a 3,0.
O ácido sulfúrico biogênico anula o ambiente alcalino que inicialmente protege as barras de aço, ocasionando a corrosão das armaduras. A corrosão tradicional das barras de aço é um processo eletroquímico que provoca a dissolução do ferro, formando diversos produtos de corrosão, normalmente óxidos e hidróxidos de ferro. Entretanto, conforme apontado por Song et.al., (2020), quando o ataque por ácido sulfúrico biogênico atinge a superfície do aço, as reações e os produtos de corrosão podem ser diferentes. No trabalho dos autores, os principais produtos de corrosão das barras de aço incluem óxidos de ferro, oxihidróxidos de ferro, sulfetos de ferro, cloretos de ferro e sulfato de ferro. Embora os compostos contendo ferro sejam majoritariamente derivados da dissolução das barras de aço localizadas na região atacada, esses compostos podem ser oriundos também da dissolução da pasta cimentícia, já que o cimento Portland contém cerca de 3% de Fe 2 O 3 (Jiang et.al., 2014). A formação da hisingerita, por exemplo, pode indicar a interação do Fe, produto da corrosão do aço e/ou da pasta cimentícia, com a Si oriunda da dissolução do C-S-H.
5. ConclusÕes
A partir da inspeção da Estação Elevatória de Esgoto as seguintes conclusões podem ser inferidas:
A estrutura analisada apresentou uma rápida deterioração em um curto período, apresentando a necessidade de intervenção antes do término de vida útil previsto, indicando que que as especificações normativas vigentes sem outras medidas de proteção não garantem a durabilidade do concreto em ambientes com alta concentração de gás sulfídrico.
6. Agradecimentos
Os autores agradecem a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo por permitir a à disponibilização da análise da estrutura e por subsidiar todos os ensaios apresentados.
REFERÊNCIAS
Associação Brasileira de Normas Técnicas. (2007). NBR 5739: Concreto - Ensaio de compressão de corpos-de-prova cilíndricos. Rio de Janeiro, Brasil.
Associação Brasileira de Normas Técnicas. (2007). NBR 7680: Concreto - Extração, preparo e ensaio de testemunhos de concreto. Rio de Janeiro, Brasil.
Associação Brasileira de Normas Técnicas. (2009). NBR 9917:2009 Agregados para concreto - Determinação de sais, cloretos e sulfatos solúveis. Rio de Janeiro, Brasil.
Associação Brasileira de Normas Técnicas. (1997). NBR 13810:1997 Água - Determinação de metais - Método de espectrometria de absorção atômica por chama. Rio de Janeiro, Brasil.
ASTM International. (2018). ASTM C114/2018 Standard Test Methods for Chemical Analysis of Hydraulic Cement.
ASTM International. (2017). ASTM C 856/2017 Standard Practice for Petrographic Examination of Hardened Concrete.
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