Pesquisa Documentalhttps://doi.org/10.21041/ra.v11i1.447

Inspeção de manifestações patológicas em edifícios utilizando câmera termográfica integrada ao Veículo Aéreo Não Tripulado (VANT): uma pesquisa documental

Inspection of pathological manifestations in buildings by using a thermal imaging camera integrated with an Unmanned Aerial Vehicle (UAV): a documental research

Inspección de manifestaciones patológicas en edificios con cámara térmica integrada en Vehículo Aéreo No Tripulado (VANT): una investigación documental

W. P. A. Silva1 * , A. C. Lordsleem1 , R. D. B. Ruiz1 , J. H. A. Rocha2

1 Grupo de Tecnologia e Gestão da Construção de Edifícios (POLITECH), Universidade de Pernambuco, Recife, Brasil..

2 Universidad Privada del Valle, Cochabamba, Bolivia..

*Contact author: wpas@poli.br

Recepção: 14 de novembro de 2019.
Aceitação: 30 de outubro de 2020.
Publicação: 01 de janeiro de 2021.


Citar como: Silva, W. P. A., Lordsleem Júnior, A. C., Ruiz, R. D. B., Rocha, J. H. A. (2021), "Inspeção de manifestações patológicas em edifícios utilizando câmera termográfica integrada ao veículo aéreo não tripulado (VANT): uma pesquisa documental", Revista ALCONPAT, 11 (1), pp. 123 – 139, DOI:https://doi.org/10.21041/ra.v11i1.447

Resumo
O presente artigo tem como objetivo apresentar o emprego da câmera termográfica integrada ao VANT nos processos de inspeção de edifícios. O desenvolvimento do trabalho foi baseado em revisão sistemática de artigos e trabalhos da área de conhecimento, investigando as características e o funcionamento das câmeras termográficas, o emprego dos VANTs e os fatores que influenciam na detecção de manifestações patológicas. Os resultados permitiram identificar as vantagens e limitações da integração câmera e VANT, demonstrando a viabilidade e eficácia do uso conjunto. Como contribuição este trabalho proporcionou o desenvolvimento de um protocolo de voo ordenando as etapas e os procedimentos necessários para a realização de uma inspeção utilizando a câmera termográfica integrada ao VANT.
Palavras-chave: VANT, câmera térmica, inspeção predial.

Abstract
This paper is intended to present the usage of an UAV integrated thermographic camera in building inspection processes. This study was based on a systematic review of related articles and technical documents, in order to investigate features and basic operations of thermographic cameras, UAVs usage and influencing factors on detection of pathological manifestations. The results enabled identification of advantages and limitations for camera and UAV integration, thus demonstrating their feasibility and effectiveness when employed together. As a contribution, this study developed a flight protocol including steps and procedures required to perform an inspection when using a thermal camera together with an UAV.
Keywords: UAV, thermal camera, building inspection.

Resumen
Este artículo tiene como objetivo presentar el uso de la cámara termográfica integrada en VANT en los procesos de inspección de edificios. El desarrollo de este trabajo se basó en una revisión sistemática de artículos y trabajos relacionados al tema, investigando las características y el funcionamiento de las cámaras termográficas, el uso de VANTs y los factores que influyen en la detección de manifestaciones patológicas. Los resultados permitieron identificar las ventajas y limitaciones de la integración de cámaras y VANT, demostrando la viabilidad y efectividad del uso conjunto. Como contribución, este trabajo proporcionó el desarrollo de un protocolo de vuelo que ordena los pasos y procedimientos necesarios para realizar una inspección utilizando la cámara térmica integrada en VANT.
Palabras clave: VANT, cámara térmica, inspección de edificios.


1. IntroduÇÃo

As manifestações patológicas estão presentes na maioria das edificações, seja com maior ou menor intensidade, variando o período de aparição sendo necessário o diagnóstico e reparo, ou então, de maneira complexa, exigindo uma análise individualizada (Ferreira e Lobão, 2018). No entanto, embora interfiram diretamente na vida útil e no desempenho da edificação, gerando desconforto e risco, tanto para as pessoas que utilizam diretamente o empreendimento quanto para os transeuntes de seu entorno, a análise e tratamento das manifestações patológicas não é uma prioridade (Bauer et al., 2011; Viégas, 2015). Em diversas ocasiões a estrutura não recebe a atenção que necessita em relação ao projeto, execução e manutenção, fato que aumenta a suscetibilidade do desenvolvimento e agravamento das manifestações patológicas (Silva, 2007).

Em vista disso, é imprescindível o processo de investigação e monitoramento da estrutura, pois tais procedimentos permitem o acompanhamento do comportamento da mesma ao longo do uso do empreendimento, recolhendo informações que ao serem enviada para os modelos de análise e decisão permitem acompanhar e detectar avarias (Agostinho, 2012). Nesse sentido, os ensaios destrutivos aplicados em materiais, componentes ou sistemas construtivos tornam-se indesejáveis quando se trata de diagnóstico de problemas no contexto das edificações em uso (Freitas et al., 2014). Com efeito, o desenvolvimento de técnicas não destrutivas que visem ao diagnóstico de deteriorações nas construções, de forma geral, vem sendo objeto de estudo de muitas pesquisas. A partir daí, o uso da termografia infravermelha e de veículos aéreos não tripulados (VANT) nos processos de inspeção de edifícios vem sendo explorado e difundido na sociedade (Nascimento, 2014; Ellenberg et al., 2016; Entrop e Vasenev, 2017).

A termografia infravermelha é uma técnica não destrutiva de imagens de sensoriamento remoto utilizada para detectar falhas em equipamentos elétricos, bem como alterações em diferentes partes da edificação, como a cobertura, os sistemas estruturais, os sistemas de vedação em alvenaria e os revestimentos. Uma dessas alterações refere-se à detecção de excessos de umidade e temperatura, responsáveis por danos nos materiais, com reflexos na saúde dos usuários (Cortizo, 2007; Lerma et al., 2011; Freitas et al., 2014). No entanto, embora a técnica da termografia infravermelha seja amplamente difundida nos países europeus, graças ao acervo histórico, no Brasil sua utilização é relativamente incipiente, seja pelo custo dos equipamentos de análise, seja pela dificuldade de aplicação prática (Cortizo et al., 2008).

Em paralelo, o uso de VANT tem sido alvo de estudos no que diz respeito à inspeção de edificações para verificar as condições de desempenho e determinar medidas preventivas e corretivas que se fizerem necessárias, em virtude da inerente complexidade (altura, tamanho, dificuldades de acesso e condições exposição) (Witczuk et al., 2017). O VANT pode reduzir o tempo destas operações de monitoramento, bem como, auxiliar em outros processos de inspeção que colocam em risco a vida humana (Álvarez et al., 2016). Neste contexto, o presente artigo trata da aplicação de câmera infravermelha integrada aos veículos aéreos não tripulados (VANT) como ferramenta de inspeção e monitoramento de edifícios, explanando acerca dos fatores processuais (fatores que influenciam na obtenção de termogramas precisos para a identificação de manifestações patológicas), além das vantagens e limitações dessa tecnologia.


2. RevisÃo bibliogrÁfica

2.1 Termografia infravermelha

A termografia infravermelha constitui uma ferramenta preditiva usada no diagnóstico precoce de falhas e outros problemas (estudo de análise de desempenho, a fim de predizer e apontar eventuais anomalias, auxiliando na manutenção preventiva). Os resultados são apresentados instantaneamente, durante a inspeção, na forma de imagens térmicas ou termogramas, que representam a distribuição da temperatura superficial do objeto observado e, como tal, registrados para fins das subsequentes providências, por parte dos interessados e posterior arquivamento (ITC, 2014).

Os sistemas de termografia infravermelha captam a radiação térmica, representada no espectro eletromagnético, pelo fato de todos os corpos estarem a uma temperatura superior ao zero absoluto emitindo radiação, e convertem-na num termograma o qual possui uma escala policromática (cores) ou monocromática (cinza). O fenômeno da radiação infravermelha (IR) foi descoberto por William Herschel em 1800 e, em 1821, houve a descoberta do efeito termoelétrico por Thomas Johann Seebeck, que é a conversão direta da diferença de temperatura em tensão elétrica e vice-versa, sendo esse efeito a base para o funcionamento câmeras térmicas (Mistry, 2009; Viégas, 2015). A radiação térmica emitida por um objeto e captado pela câmera térmica é dada pela lei de Stefan-Boltzmann (1).

(1)

Onde E é a radiação emitida pelo objeto (W/m²), q é o grau de emissão de energia (W), A é a área da superfície emissora (m²), T é a temperatura absoluta (K), σ é a constante de Stefan-Boltzmann de valor 5.676x10-8Wm-2K-4, e ε é a emissividade da superfície emissora, cujo valor está entre 0 e 1, e indica o quanto a superfície se aproxima do comportamento de um corpo negro, que seria uma superfície ideal onde a taxa de radiação seria máxima, logo 휀=1. (Çengel e Ghajar, 2012).

Ademais, essa técnica pode ser classificada em ativa e passiva, de acordo com a excitação térmica utilizada. Na termografia ativa, um estímulo externo é necessário para gerar diferenças relevantes de temperatura. Diferentes técnicas podem ser empregadas para provocar um fluxo de calor no objeto de estudo, cada qual com características e limitações próprias. A escolha do tipo de estímulo térmico depende das características do objeto a ser testado e do tipo de informação a ser pesquisada (Batista, 2019).

Em contrapartida, para utilização da termografia passiva, onde nenhuma estimulação artificial é utilizada, deve existir uma diferença natural de temperatura entre o objeto em estudo e o meio no qual ele está inserido, que frequentemente está a uma temperatura mais elevada. A análise pelo método passivo conta com as condições naturais da estrutura estudada e do seu entorno, sendo o calor do sol um fator determinante (Cortizo, 2007). Portanto, conforme demostrado na Figura 1, as câmeras termográficas capturam a energia infravermelha emitida pelos objetos e convertem em um sinal elétrico e, finalmente, em uma imagem visível, em que cada nível de energia é representado em uma escala de cores (Meola e Carlomagno, 2004).

Figura 1. Representação esquemática da situação da medição termográfica geral. 1) meio adjacente, 2) objeto, 3) atmosfera, 4) câmera. Tobj: temperatura do objeto, Trefl: temperatura refletida, Tatm: temperatura da atmosfera. Wobj: potência da radiação emitida pelo objeto, Wrefl: potência da radiação emitida pelo meio adjacente, Watm: potência da radiação emitida pela atmosfera (Caldeira e Padaratz, 2015).

Assim, essa técnica aplicada em edifícios pode ser utilizada para avaliar o conforto do revestimento do piso (Barreira et al., 2013), detectar defeitos de isolamento, vazamentos de ar (Ocaña et al., 2004) problemas de umidade (danos nos telhados, teor de umidade nas paredes), pontes térmicas (Asdrubali et al., 2012), para inspecionar sistemas HVAC (Heating, Ventilating and Air Conditioning), detalhes de construção (Cerdeira et al., 2011; Barreira et al., 2013) e também, na inspeção predial (Brique, 2016), conforme demonstrado na Figura 2.

Figura 2. Penetração de água da chuva: (a) imagen digital e (b) termograma (Rocha et al., 2018).

Em vista das variáveis destacadas na Tabela 1, quanto maior a resolução térmica (pixels) da câmera, é possível inspecionar áreas maiores com maior precisão. Assim, no uso de câmeras térmicas integradas ao VANT, as mesmas devem ter a melhor resolução possível. Ademais, o valor do IFOV (Instantaneous Field of View) e o ângulo de abertura da lente são um dos principais limitantes nos estudos envolvendo a análise de edifícios. Quanto maiores sejam estes parâmetros, menor será a resolução dos termogramas e a precisão do estudo. (Andrade et al., 2019). Além disso, é necessário destacar que a inspeção é limitada apenas a uma aplicação passiva da termografia infravermelha, o que significaria que a inspeção da estrutura não seria possível todos os dias ou seria restrita a horários determinados localmente.

Tabela 1. Principais variáveis relacionadas a câmera termográfica (Andrade et al., 2019)
RESOLUÇÃO DA CÂMERA PIXELS IFOV (Instantaneus Field of View) ÂNGULO DE ABERTURA DE LENTE
60 x 60, 120 x 120, 240 x 380, 320 x 240, 640 x 480. O valor varia entre 0,6 e 3,7 mrad, empregando a lente do equipamento. As lentes mais comuns são as de 15 e 25 graus, todavia pode variar entre 7 e 80 graus.

2.2 VANTs

Os Veículos Aéreos não Tripulados (VANTs) são segundo a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil, 2017) qualquer aeronave não tripulada que pode ser remotamente pilotada, ou automatizada. Essas aeronaves são pilotadas remotamente ou de forma automática através da utilização de coordenadas pré-definidas. Trata-se de uma tecnologia em ascensão que a cada dia tem sua utilização disseminada em várias áreas (Nascimento, 2014). Os primeiros desenvolvimentos para VANT começaram na década de 50 e destinavam-se exclusivamente para fins militares. Diferentes projetos foram iniciados em diversos países com o objetivo de produzir veículos capazes de transportar missões sem piloto a bordo de modo a evitar ainda mais perdas (Agostinho, 2012). Com o passar do tempo a tecnologia passou a ser disseminada, e sua primeira utilização para um fim não militar ocorreu em 1986, para monitorar incêndios florestais em Montana nos Estados Unidos (Agostinho, 2012). Nesse sentido, o crescimento do uso de VANT se dá devido ao baixo custo, agilidade de coleta de processamento, facilidade de manobra das aeronaves, e ao eficiente sistema de captura de imagem (Seibert e Teizer, 2014).

Além disso, os VANT são ferramentas eficazes para realização de procedimentos de sensoriamento remoto, sendo o principal argumento para o seu uso a capacidade de alcançar locais de difícil acesso, aliado a gama de sensores aplicáveis que podem ser incorporados ao mesmo, como câmara infravermelha, detecção de luz e sensores de distância (LIDAR, em inglês Light Detection And Ranging) (Freimuth e König, 2018).

Em vista disso, atualmente no mercado existem dois tipos de VANTs, onde a diferença básica se refere ao sistema aerodinâmico, sendo ele de asa rotativa ou fixa. O primeiro se assemelha a um helicóptero ou multirotor, são aeronaves compactas de fácil operação e menor custo. Em contrapartida, os de asa fixa apresentam tamanhos variados de acordo com a funcionalidade. (Jorge e Inamasu, 2014; Melo e Costa, 2015).

Tabela 2. Classificação dos VANTs (Bento, 2008).
CATEGORIA ACRÔNIMO ALCANCE [km] ALTITUDE VOO [m] AUTONOMIA [h] PESO [kg]
Micro μ (micro) < 10 250 1 <5
Mini Mini < 10 150 – 3000 < 2 150
Close Range CR 10 – 30 3000 2 – 4 150
Short Range SR 30 – 70 3000 3 – 6 200
Medium Range MR 70 – 200 5000 6 – 10 1250
Medium Range Endurance MRE >500 8000 10 – 18 1250
Low Altitude Deep Penetration LADP >250 50 – 9000 0,5 – 1 350
Low Altitude Long Endurance LALE >500 3000 >24 <30
Medium Altitude Long Endurance MALE >500 14000 24 – 48 1500

A Tabela 2 mostra que os UAVs usados ​​no processo de inspeção de construção em geral têm peso inferior a 150 kg. A autonomia de vôo, um fator dominante para o desenvolvimento do protocolo de vôo e eficiência no monitoramento de edifícios, é inferior a duas horas.

2.3 A termografia integrada ao VANT

Embora a termografia e os VANTs sejam alvo de diferentes pesquisas recentes, é ainda mais incipiente o estudo integrado de ambos. Analisar os benefícios relacionados a esses dois tópicos motiva a combinação de suas funcionalidades para obter benefícios mútuos (Entrop e Vasenev, 2017). A câmera térmica integrada ao VANT é uma importante ferramenta para avaliar grandes áreas de forma automatizada e com reduzida demanda de tempo para a execução (Viana et al., 2018). Os principais desafios dessa tecnologia são a baixa resolução de algumas câmeras termográficas, regulamentos que limitam as operações envolvendo VANT à linha visual e a alta dependência do clima (Witczuk et al., 2017).

Além disso, os sensores de calor são uma opção de carga útil para geração de imagens térmicas aéreas de alta resolução. Esta tecnologia permite o levantamento rápido e seguro de áreas térmicas, muitas vezes presentes em terrenos inacessíveis ou perigosos (Harvey et al., 2016). Essas imagens coletadas pelo VANT tem o potencial de se tornar uma ferramenta fundamental na ciência geotérmica, incluindo levantamentos geológicos, geoquímicos e geofísicos, linha de base para estudos e monitoramentos ambientais, geotécnicos e obras civis, destacando-se no caso desta pesquisa, a inspeção de edifícios. Tal tecnologia pode ser utilizada para o mapeamento de perda de calor, além de poder reunir informações térmicas, tais como vazamentos de calor, empregando uma câmera infravermelha e fazendo o processamento da imagem obtida. Embora, a realização das inspeções seja um processo menos difícil para edificações de pequena altura, coletar dados térmicos com o aumento da altura, notadamente em arranha-céus e telhados é muito mais complexo, sendo um processo perigoso (Kayan et al., 2018). A termografia aérea é uma tecnologia que tem sido utilizada nos tempos recentes para gravar imagens térmicas sem a necessidade de acesso aos edifícios, além de ser capaz de alcançar uma área de difícil acesso, como os telhados, enquanto carrega câmeras infravermelhas e outros sensores (Chu et al., 2016).

Portanto, a combinação da termografia por infravermelho com os VANTs permite que as tarefas de manutenção sejam otimizadas (Muñoz et. al., 2017) e, consequentemente, trazendo vantagens econômicas significativas (Ramírez et al., 2018). Tais aspectos se devem ao fato dos VANTs poderem ser equipados com câmeras de alta resolução permitindo aos usuários obter dados em tempo real. Ademais, as imagens aéreas que antes eram capturadas de um avião leve ou helicóptero, e o custo do combustível, são desvantagens que tornam os VANTs mais viáveis, uma vez que a fonte de energia para o seu voo pode ser facilmente recarregada (Lavars, 2015). Assim, sendo equipado com uma câmera termográfica de alta resolução o VANT se torna uma excelente ferramenta para coletar informações térmicas de edifícios (Zhang et al., 2015). Nesse sentido, a Figura 3, demonstra um modelo de VANT que já vem integrado com câmera digital em paralelo com a câmera termográfica, diferente de outros modelos em que é necessário remover a primeira para posteriormente instalar a segunda.

Figura 3. VANT com câmera termográfica acoplada à câmera digital. (Topdrone, 2020).

3. Inspeção de edifícios

A aplicação da termografia nos processos de inspeção é baseada na existência de anomalias ou defeitos que influenciam nas propriedades térmicas da estrutura, na Figura 4 os defeitos interrompem a transferência de calor do concreto, visto que os vazios existentes são preenchidos com ar ou água, e devido a diferença de condutibilidade térmica dos materiais, é verificado a variação da temperatura ao longo da estrutura (Rocha e Póvoas, 2017).

Figura 4. Propagação idealizada de um único pulso de calor em um material: (a) Um impulso de energia aplicado a superfície; (b) O pulso de calor viaja dentro do material e encontra um defeito; (c) O defeito reflete parcialmente e transmite parcialmente o pulso (Cortizo, 2007).

Ademais, a termografia infravermelha produz uma imagem térmica, em que cada cor representa um nível de temperatura superficial dos objetos. Por meio da análise da imagem obtida pelo equipamento, é possível identificar a existência de focos de umidade, anomalias, elementos ocultos, entre outros (Grinzato et al., 2011). Em consequência disso, com a termografia infravermelha é possível detectar somente anomalias associadas a modificações mensuráveis das características térmicas como fluxo de calor e temperaturas resultantes, e manifestações patológicas com profundidades limitadas, ou seja, próximas a superfície (Bauer e Pavón, 2015). Assim, na construção civil, uma variação de temperatura de 1°C até 2°C é geralmente um indicativo ou uma suspeição de existência de problemas. A partir de 4°C pode-se afirmar a existência de anormalidade no corpo (Maldague e Marinetti, 1996; Cortizo et al., 2008).

Portanto, com essa tecnologia é possível identificar falhas de aderência ou ausência de argamassa (Bauer et al., 2015), presença de umidade confinada em revestimentos cerâmicos (Edis et al., 2014; Bauer e Pavón, 2015), além da existência de fissuras, problemas de descolamento, e infiltrações, visto o gradiente térmico verificado no termograma. (Freitas et al., 2014; Viégas, 2015; Rocha e Póvoas, 2017; Takeda e Mazer, 2018; Batista, 2019).

Figura 5. Inspeção com VANT integrado com câmera térmica (Nascimento, 2014)

No caso da Figura 5, de acordo com Nascimento (2014), as imagens foram obtidas no início da manhã sendo possível o reconhecimento de regiões com fissuras e infiltrações, pois o clima estava ameno e possibilitou uma maior diferença no gradiente de temperatura, sendo as regiões mais claras as que apresentam maior temperatura do que as que estão representada em tons mais escuros.

3.1 Vantagens e limitações

Na Tabela 3 são apresentadas as principais vantagens e limitações do uso da câmera termográfica integrada ao VANT de acordo com a literatura (Yehia et al., 2007; Agostinho, 2012; Sham et al., 2012; Jorge e Inamasu, 2014; Mavromatidis et al., 2014; Seibert e Teizer, 2014; Domingues, 2015; Melo e Costa, 2015; Pajares, 2015; Watase et al., 2015; Zhang et al., 2015; Ariwoola, 2016; Ellenberg et al., 2016; Hiasa et al., 2016; Rehman et al., 2016; Entrop e Vasenev, 2017; Muñoz et al., 2017; Witczuk et al., 2017; Freimuth e König, 2018); Ramírez et al., 2018; Andrade et al., 2019).

Tabela 3. Vantagens e limitações do uso da câmera termográfica integrada ao VANT.
VANTAGENS LIMITAÇÕES
• Capacidade de alcançar áreas de difícil acesso; • Autonomia de voo entre 30 min a 2 h, em modelos com menos de 150 kg;
• Obter dados em tempo real; • Condições climáticas favoráveis, implicando tanto no voo quanto na emissividade calorífica da superfície;
• Reduzir riscos operacionais; • Sujeito as regulamentações e restrições locais para realização do voo, não sendo possível ser realizado em qualquer localidade;
• Aumentar a segurança do operador e dos colaboradores envolvidos; • Interferência nos resultados devido a reflexões caso seja utilizada em um prédio que tenha edifícios vizinhos com fachadas espelhadas;
• Redução no tempo de inspeção, gerando economia e agilizando o planejamento de recuperação da estrutura; • Alterações em leituras obtidas a distâncias superiores a 10 metros entre a câmera e objeto estudado;
• Maior confiabilidade se comparada aos métodos convencionais; • Não é possível medir a espessura e a profundidade da manifestação patológica.
• Tecnologia rápida, não-invasiva, não destrutiva e sem contato;
• Pode ser aplicada a uma distância considerável para se analisar e inspecionar grandes áreas em pequenos intervalos de tempo.

Por meio da Tabela 3 é possível constatar que as principais vantagens do uso dessa tecnologia estão ligadas ao fato da otimização dos procedimentos de inspeção, obtendo dados em tempo real e em um menor intervalo de tempo. Em contrapartida, suas limitações estão relacionadas aos requisitos necessários para a obtenção de um termograma preciso, destacando-se as condições climáticas favoráveis e leituras efetuadas a partir de ângulos e distâncias que não interfiram nos resultados.

Por fim, um dos fatores preponderantes para o uso da termografia aérea está relacionado ao custo da operação e dos equipamentos, no entanto, realizando uma comparação dos benefícios dessa ferramenta, em relação aos métodos convencionais, verifica-se as suas potencialidades, visto a velocidade de obtenção dos dados e a segurança do responsável pela inspeção (Mavromatidis et al., 2014; Ariwoola, 2016).

3.2 Fatores processuais referente à leitura térmica

A análise termográfica é um procedimento o qual o inspetor opera o termovisor, aponta-o para o objeto em inspeção e detecta o defeito através da análise do termograma obtido. Apesar da simplicidade aparente da técnica, a análise dos resultados pode ser complicada e até conduzir a conclusões erradas caso não sejam tomadas certas precauções antes e durante a realização do ensaio (Brique, 2016). Logo, o próprio operador deve ter conhecimento da forte influência da radiação solar, do vento, da chuva, e na forma como esses fatores afetam a distribuição térmica do objeto analisado em ambiente aberto (Batista, 2019).

Em vista disso, para se garantir a qualidade da imagem, a sensibilidade e o contraste térmico, é necessário estar atento a alguns fatores como a emissividade do material que é função da temperatura superficial e do ângulo de observação, na refletividade da superfície, função da radiação direta incidente e da radiação presença de fontes externas (sombras, reflexões), distância e ângulo de medição. (Barreira, 2004; Cortizo, 2007; Bauer, 2015; Viégas, 2015; Batista, 2019). Outrossim, o calor irradiado pelo sol pode afetar a medição termográfica, pois altera o fluxo normal de calor do interior para o exterior. A distância do equipamento ao objeto pode alterar a leitura da temperatura superficial, pois diminui a resolução dos termogramas e influencia a atenuação atmosférica (Labat et al., 2011).

Em relação ao horário de inspeção, foi verificado que há divergências entre os autores, mas que esse parâmetro depende das condições ambientais do local do objeto em estudo (Rocha e Póvoas, 2017). Nesse sentido, foi verificado comportamentos distintos em relação aos períodos de medição (seco e chuvoso), aos horários 8h, 15h e 21h (Freitas et al., 2014). Em outros casos, foram realizadas medições em horários distintos no período da manhã e da tarde (Nascimento, 2014), visto que a emissividade de materiais não compostos por metais diminui com o aumento da temperatura (Barreira, 2004). Houve ainda casos em que se optou por verificar as medições durante todo o dia (6-18h), a fim de avaliar os melhores horários de medição, tanto na parte da manhã como da tarde (Viégas, 2015).

Por fim, alguns autores (Uemoto, 2000; Watase et al., 2015; Hiasa et al., 2016) recomendam a inspeção durante a noite para eliminar os efeitos da radiação solar, e ter uma melhor visão entre o defeito e as regiões intactas, evitando falsas detecções (Rocha e Póvoas, 2017).

Além disso, os gradientes térmicos e a turbulência alteram o índice de refração do ar provocando uma redução na qualidade da imagem. Em paralelo, a atmosfera presente entre a fonte emissora e o receptor pode originar perturbações na medição. Logo, deve-se manter a distância de 10 metros entre a fonte emissora e o receptor, corrigindo-se as medições feitas com distâncias superiores (Barreira, 2004; Comitti, 2012; Viégas, 2015). Ademais, em dias com ventos acima de 7m/s não se deve realizar medições com termografia infravermelha, pois os dados obtidos induzirão ao erro da análise térmica do objeto (ITC, 2014).

De acordo com a norma NBR 15572 (ABNT, 2013), é necessário que o ângulo entre o termovisor e o ponto inspecionado seja o mais perpendicular possível, para que não haja redução na emissividade devido aos ângulos de observação inadequados (maiores que 60º).

Assim, Viégas (2015) afirma que não se deve permanecer diretamente na frente do alvo para que não haja reflexão do calor do termografista, para tanto é recomendado posicionar-se a uma angulação de mais ou menos 5º, com relação à horizontal do objeto a ser analisado termicamente, conforme a Figura 6.

Figura 6. Ângulos de medição: cuidados (Viégas, 2015)

3.3 Protocolo de voo

O planejamento e desenvolvimento do projeto poderá variar consoante a capacidade de voo, sendo influenciando pela a precisão e a trajetória dos mesmos (Agostinho, 2012). Todavia, percebe-se que as ferramentas de preparação de voo comercialmente disponíveis, em alguns casos ainda são insuficientes para se realizar determinadas inspeções, cabendo ao operador criar suas próprias ferramentas e o seus protocolos (Seibert e Teizer, 2014). Em decorrência disso, o protocolo abaixo, Figura 7 e Tabela 4, foi desenvolvido baseado no trabalho de diversos autores (Agostinho, 2012; Siebert e Teizer, 2014; Ariwoola, 2016; Ellenberg et al., 2016; Entrop e Vasenv, 2017; Freimuth e König, 2018).

Figura 7. Etapas do protocolo de voo.
Tabela 4. Protocolo de Voo
ETAPAS PROCEDIMENTOS
1. Análise das interações dinâmicas do voo Nessa etapa é necessário verificar a regulamentação sobre o uso de VANT do local onde será feita a inspeção, além de um estudo sobre as condições climáticas da data, e configuração do objeto a ser estudado (área, quantidade de pavimentos, gabarito máximo), e assim, proceder com a escolha dos equipamentos.
2. Descrição da área de voo Na segunda etapa é preciso realizar um voo teste com o intuito de se determinar as áreas de risco, além de estabelecer os ângulos e as distâncias de leitura.
3. Construção da trajetória de voo Determinada as áreas de risco, deve-se com a construção de uma trajetória de voo, de tal forma que seja possível realizar a mesma com 75% de carga do VANT, garantindo a autonomia de voo.
4. Realização da inspeção Finalizada as etapas anteriores, é possível iniciar a inspeção, de tal forma que seja possível obter os dados de leitura de forma segura e precisa.

Analisando-se a Tabela 4 verifica-se que a etapa inicial está relacionada aos pré-requisitos para se realizar a inspeção utilizando a câmera termográfica integrada ao VANT, verificando a regulamentação de tais equipamentos no local onde será efetuado o procedimento, as condições climáticas, sendo necessário ventos inferiores a 7 m/s e não recomendado sua realização em dias nublados, ter conhecimento do objeto a ser estuado, como dimensões e localização, e a partir daí realizar as escolhas dos equipamentos que garantam uma autonomia de voo para tal procedimento. Posteriormente, deve-se determinar a área que o VANT estará se deslocando ao longo da inspeção, estando-se atento as áreas de riscos, tais como: fluxo de pessoas, animais e obstáculos, e estabelecendo os ângulos e as distâncias em que as leituras serão efetuadas, de tal forma que as distâncias não sejam superiores a 10 metros e que os ângulos obedeçam o que foi discutido em 3.1, assegurando a precisão dos dados obtidos. A partir daí, deve-se construir o caminho que será percorrido pelo VANT de tal forma que não haja deslocamento em áreas de riscos, e que o aparelho possua uma autonomia de voo suficiente, sendo possível concluir a trajetória com 75% de carga na bateria, visto a energia consumida nos procedimentos de pouso e decolagem. Por fim, concluída as etapas anteriores pode-se realizar a inspeção.

3.4 Análise de dados na literatura

Verificou-se que apesar da simplicidade de se utilizar o termovisor para obter termogramas durante as inspeções, se não forem levadas em consideração as interferências e as condições ambientais nas quais as imagens foram obtidas, a análise e a interpretação dos termogramas podem levar a conclusões equivocadas (Takeda e Mazer, 2018). Além disso, foi constatado que, quanto maior e mais superficial a área do defeito, a detecção é mais fácil (Rocha e Póvoas, 2017). Nesse sentido, foi constatado que se a relação R/d (R: dimensão curta do defeito e d: profundidade do defeito desde a superfície) for maior do que 1, os defeitos são encontrados; caso esta relação R/d for igual a 0,45, são detectáveis até uma profundidade de 10 centímetros (Farrag et al., 2016). Ademais, nos perfis térmicos apresentado nos termogramas das alvenarias havia uma nítida variação na temperatura superficial. Tal diferença térmica encontrada denota a presença de diferentes materiais no interior da alvenaria, devido as propriedades físicas e químicas bastante distintas (Cortizo, 2007).

Além disso, foi verificado na inspeção de uma estrutura com revestimento cerâmico que as melhores medições foram obtidas após a fachada ter sido aquecida (técnica passiva), e que o termograma na parte da tarde teve melhor nitidez comparado com o termograma na parte da manhã (Viégas, 2015). Em um momento posterior, estudando uma edificação revestida com argamassa, constatou-se que os melhores horários para medição foram entre 11-12h e 17-18h, além de se verificar uma coloração de amarelo “mais vibrante” na região com presença de descolamento de revestimento. Isto porque, na referida região há uma elevação da temperatura com relação ao restante da fachada revestida com argamassa sem presença de manifestações patológicas. E por fim, realizando o monitoramento de uma estrutura revestida com azulejo, os melhores horários para medição foram entre 9-10h e 14-15h (Viégas, 2015). E assim, corroborando com o que foi afirmado em 3.1, no que se refere aos horários de medição.

Observou-se também uma leve tendência de haver maiores diferenças de temperatura (entre as regiões com e sem fissuras) nas áreas mais aquecidas, assim como se verificou maior dispersão dessas variações medidas para as áreas mais quentes (Freitas et al., 2014). Ademais, num primeiro momento foi considerado que pelo menos uma distância de 5 metros, entre o VANT e os objetos de pesquisa era segura. Todavia na realização dos ensaios, essa distância foi aumentada para 10 metros, garantindo tanto a veracidade dos dados obtidos, quanto a segurança da aeronave (Entrop e Vasenev, 2017). Outrossim, a realização de simulações e criação de modelos voo proporcionam uma inspeção mais precisa e um melhor rendimento por parte do VANT, visto as características de velocidade e necessidade de recarga da bateria (Freimuth e König, 2018).


4. ConclusÕes

Com base no que foi discutido e nos dados apresentados, é possível afirmar que a termografia integrada ao VANT se mostra como uma ferramenta capaz de identificar anomalias térmicas associadas a manifestações patológicas. Adicionalmente, verifica-se que esse mecanismo otimiza os processos de inspeção predial, permitindo a caracterização de áreas de difícil acesso, sem pôr em risco a segurança dos colaboradores, além de fornecer dados com uma maior rapidez e precisão, que auxiliarão nos ensaios de inspeção e recuperação das estruturas.

Entretanto, ficou constatado que a mesma ainda apresenta algumas limitações, sendo vulnerável a capacidade de carga do VANT, as oscilações climáticas que implicam no voo e nos dados obtidos no termograma, além das reflexões dos objetos vizinhos ao que está sendo estudado que podem interferir nos resultados. Nesse sentido, as principais contribuições do trabalho consistem em um protocolo de voo específico para o uso da câmera termográfica integrada ao VANT e uma revisão bibliográfica sobre os princípios e as técnicas envolvidas nesse procedimento, sendo uma base para estudos e pesquisas de desenvolvimento e ampliação dos modelos de monitoramento, que em paralelo com os avanços tecnológicos, tendem a superar as desvantagens e garantir a eficácia de tal ferramenta.

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